< U R B A N A U T A S >

“Você sabe que tudo o que falar será gravado e poderá ser usado contra você em julgamento?
“Sim, senhor.”
“Bom. Então, comece”

“Tenho consciência de por que estou aqui. Eu declarei que não gostava de praia, e sei que aqui no Brasil isso é crime inafiançável. Mas perto de outros atos que tenho a declarar, isso é nada. Não gosto de Carnaval, axé, samba, pagode, suor, cerveja, calorão. Basta chegar fevereiro e as emissoras de TV iniciarem o tchikidum, sinto gastura. Já não gosto da menção a “fevereiro”, dita com animação baiana, que logo me ponho a imaginar a tríade suor-samba-cerveja.E olha que nasci em fevereiro.
Minhas bandas favoritas acabaram e/ou se separaram. Não curto Planeta Atlântida e trocaria todos os seus ingressos pelo show do Led, que teve em Londres.
Às vezes dou uma olhada na Capricho, uma revista direcionada a meninas da minha idade, mas em nenhum momento me vi naquelas páginas.Todas as garotas ali pareciam(ou eram) modelos, os produtos anunciados ali nunca estarão ao meu alcance, e me sinto um OVNI.
Nunca vi Tropa de Elite.Tenho mais medo do Bush do que do Bin Laden. Não sou o que esperam de mim. Não sou atriz, modelo, dançarina nem ex-BBB. Me taxam de louca se prefiro ler um livro a ir para a praia, pois acham que isso não é diversão. Acham que felicidade é algo escancarado, explícito, e às vezes não é.

Sou gaúcha e não suporto churrasco e não tomo chimarrão. Tenho quase 18 anos e compro gibi da Magali. Tenho, às vezes, vergonha mortal de falar com pessoas, até mesmo no Messenger.Acho o Paul McCartney charmosérrimo, e não estou falando da sua fase jovem. Meu peito não é de silicone.Sou mais macho que muito homem, principalmente se este for o Leão Lobo. Acho um saco programa de culinária e não consigo gostar de Chaves.

Não sou tão diferente como pensam. Gosto de filmes românticos e comédias americanas, o horror dos intelectuais.Durmo com filme épico. Nunca fiz dieta, festa de 15 anos ou viagem para a Disney.Tenho vontade de jogar num cassino em Las Vegas.
Quero terminar de ler os livros que faltam da Agatha Christie.Quero ir no museu do Sherlock Holmes, em Londres.

Não tenho saco pra olhar vitrine no shopping.Qual é a graça?Deve ter, claro, mas não descobri ainda.Não entendo como mulheres gastam mil reais em uma bolsa só porque a etiqueta diz “Gucci” e gastam dinheiro num sapato de salto que esmigalha seus pés. Sinto-me horrível com este preconceito, mas isto é o que penso.Assim como é horrível o pavor que tenho das ex-BBBs que só sabem se exibir e todos amam, sonhando que suas filhas sejam iguais.

Me sinto estranha , não me sinto como adolescente. Tudo o que falam sobre nós me é estranho.Não curto NX Zero, Charlie Brown Jr. e afins. Meus ídolos morreram de overdose ou estão sessentões.Gritaria feito uma louca se visse o Roger Waters ao vivo, muito mais do que algumas garotas ao verem o Fresno.

Não sou boa em nenhum esporte. Prefiro Bariloche a Porto Seguro.Não almejo a fama, quero apenas ser muito feliz na profissão que eu escolher.Meu príncipe encantado não é loiro, olhos azuis, escandinavo.Ele é moreno, olhos escuros, latino.

Pego panfletos na rua por pena do distribuidor.Não sou loira. Sinto tédio nas férias e gosto de estudar.Não torço por ninguém no Big Brother, todos parecem tão iguais que nem se quem é quem. Não entendo por que o objetivo de muitas garotas é posar nua, intimidade escancarada pra quem quiser, por menos de 10 reais. Não sou Miss Universo, mas também sonho com a paz mundial.

Fim da fita.